segunda-feira, 30 de março de 2015
Os portais de Adelante
Os portais de Adelante
Vivíamos num mundo absurdamente irreal, um mundo que chamávamos de pseudocientífico, acreditando religiosamente nas leis da física, da matéria de nas hipóteses da conservação de energia. O academicismo não nos preparou devidamente para enfrentarmos a realidade, nos apresentando-a de modo etéreo, de modo surreal. Todas as expressões de pensamento míticas que nos foram apresentadas nos últimos milênios contaminaram-se pelo racionalismo, pela dialética e pelo antagonismo da ciência a toda metafisica, todas se demonstraram nestes últimos anos, sua torpe essência escravagista. O mundo social, antropológico, pedagógico, talhado por matemática, construído em filosofia, urdido nos registros da razão, tornou-se tudo ilusão. Estamos todos aturdidos com as revelações dos últimos anos, após a crise deflagrada nos efeitos dos portais de Adelante.
A universidade jamais versou sobre o fantástico. E quando o fantástico aconteceu não capacitou aos homens a releitura do universo. Ainda hoje, os teóricos chamam tudo que está acontecendo de convulsão social. Postulam que o mundo está vivendo um estado psíquico supra-normal, alucinado, fruto de algum produto químico dissolvido na atmosfera pelas bombas químicas lançadas nas guerras do Líbano. Um pequeno grupo de acadêmicos de Wicclefield reiterou a teoria, incompleta, sobre um tipo de equipamento de emissão de micro-ondas desgovernado, que gerou profunda alteração nas frequências naturais do planeta. Assombrosa arma denominada de Efeito Hoomer, cujos efeitos nocivos forjaram a ruptura da psique humana. Os cientistas tentam encobrir as evidencias de que eles mentiam. De que encobriam fatos que desvendariam um mundo diverso do que nos haviam apresentado nos últimos 500 anos. Pedante mundo de céticos, que agora desmoronava diante do exagero. Diante de Adelante. Adelante possuía antiga lenda que intrigava os estudiosos, relacionado a estranha porta com inscrições em acádico, copta e hebraico antigo, trechos cheios de harpaxdesconhecidos, o que instigou a imaginação dos peritos por anos. Como havia rastros de irídio junto dos artefatos históricos em Adelante, dois físicos húngaros participaram da equipe de investigação, em virtude de anomalias físicas. Em Adelante havia particular tempestade de raios que nunca cessava. Sem suas coordenadas geográficas a gravidade natural aparentava ser menor. Experimentos demonstraram que as cintilações, os efeitos celestes, as auroras boreais sobre Adelante, eram relativos a alguma deflação luminosa de origem desconhecida. De noite em Adelenate ouviam-se ruídos não convencionais. Fitas gravadas aleatoriamente descortinavam sons contraditórios. Sons de instrumentos musicais desconhecidos, de aves não catalogadas, até vozes de crianças, cantando em línguas que tinham algum parentesco com o hindi. Adelante apresentava-se como um grandioso mistério há vinte e dois anos atrás, em 2014. Agora, Adelante é muito mais que um isso. É um mistério insolúvel. Na tarde de 18 de agosto as 17:00 daquele ano ocorreu um evento sísmico nas ruinas da cidade que estavam em torno de Adelante, abrindo-se incomum entrada nos pórticos de pedra, entrada de um gigantesco santuário milenar, deixando à mostra estruturas de um antigo portão de ferro, com outras misteriosas inscrições. Essas últimas finalmente numa linguagem antiga, mas reconhecida. Sânscrito. Nos dias que se seguiram entraram em contato com um renomado linguista de Bengali, Rosh Pandhari Kapoor para um trabalho de decifração. Kapoor chegou apressado, em meio à nova tempestade que se abatera sobre a região. Começou seu trabalho no dia 22 de agosto do mesmo mês. A primeira tradução dos caracteres ficou pronta em dois dias, consistia de um antigo hino e gravíssima advertência - jamais deveriam abrir os portões em que estavam estampados, em alto relevo, sem a ajuda ou a presença de uma criança – Por fim, um solene aviso, circundado de sinais misteriosos, avisando que após os portões estivessem abertos, nunca mais poderiam ser fechados. Como as perturbações de origem eletromagnética aumentavam exponencialmente na região naqueles dias, novas equipes de físicos chegaram, impactando seriamente aos trabalhos arqueológicos e de tradução. Dois meses se passaram, os estudos físicos apontavam na evidencia promissora da existência perene de anomalia espacial, espécie de santo-graal da física, encontrado na superfície do planeta. Os cientistas acreditavam que naquele ponto da terra consistia deste tipo de anomalia, um erro do espaço-tempo, uma singularidade. Imaginavam que pesquisas físicas realizadas ali poderiam esclarecer sobre a origem das forças físicas, o que conduziu a certa crise acadêmica sem precedentes. Dezenas de instituições queriam ter o acesso aos locais para realizarem seus próprios estudos. Complexas negociações tiveram que ser realizadas com o governo Venezuelano. Adelante distava 60 km do parque nacional Aguaro no Valle de La Pascua, na Venezuela.
Em outra tarde chuvosa, num domingo, dia 28 de agosto de 2014, três horas da tarde, Kapoor levou seu filho, Aakanksh para conhecer as ruinas, indo com ele até os portais. Aakanksh parou diante dele, apontou com o indicador para a antiga palavra que seu pai traduziu como “futuro”. O pai e o filho conversaram alguns instantes sobre os portais. Curioso Aakanksh escalou uma pedra para ter acesso ao portal, esticou seus dedos pequenos até a inscrição, levemente a tocou com os dedos da mão esquerda.
E quando Aakanksh Kapoor tocou o portal, teve inicio o amanhã.
Essa ao menos é a versão mais difundida do que aconteceu. Seis câmeras de vídeo filmavam o local, algumas testemunhas que eram parte da equipe de cientistas transitavam próximas, dois áudios gravados com as palavras ditas no momento, assim como a imagem térmica do acontecimento. A imagem térmica do acontecimento foi um acidente, o objetivo da termografia realizada não tinha a ver com as análises de arqueologia, consistindo de experiência conduzida por um laboratório particular, mas atualmente é considerado como documentação válida de registro do evento.
Ainda não criaram um termo que designe a atual situação do mundo. Ou ao evento que se seguiu. Ou que defina a realidade, do jeito que se apresenta agora, o que também está sendo contestado. No dia 28 de agosto de 2014, três horas da tarde, quando o rapaz tocou as inscrições elas começaram a brilhar fortemente. A atmosfera ao redor dos portais ganhou a cor púrpura, que aos poucos foi se alastrando pelos céus, de tal modo que hoje, todo o céu mudou de tonalidade. Nosso mundo agora é envolto por um céu púrpuro. Mas, isso seria o menor dos nossos problemas. A comunidade cientifica ainda estava aturdida pela mudança de coloração das camadas atmosféricas, quando começaram os estranhos acontecimentos. Não é fácil traduzir o que aconteceu a seguir. As duas primeiras mulheres aladas apareceram numa rua erma de Paris. O primeiro gigante emergiu das águas, segurando um petroleiro com uma de suas mãos. O primeiro relato sobre fadas foi num ônibus em Nova Jérsei. A primeira leva de Ninfas apareceu dançando diante do Taj Mahal. O primeiro relato de força extraordinária de um ser humano veio da antiga união soviética, um homem levantou sobre sua cabeça um caminhão de 40 toneladas. As primeiras crianças a aprenderem a voar são Eslavas. Todas as crianças neste mundo novo nascem com a capacidade de flutuar ou singrar como chamam, nos céus púrpuros. As primeiras imagens de adolescentes caminhando sobre a lua datam de seis anos atrás. A primeira baleia voadora apareceu sobre São Francisco. O primeiro cemitério a perder seus mortos foi o de uma cidade do interior de São Paulo. Perder mortosé a expressão que usam como eufemismo de ressuscitar. A primeira multidão de fantasmas que atravessou uma cidade, de modo visível, foi fotografada, filmada. Posteriormente as imagens foram usadas em filmes didáticos sobre o evento. Estavam vestidos de roupas árabes. Sobre várias montanhas ao redor do mundo cavalos de fogo, com crinas feitas de chamas começaram a descer montanhas. A primeira viagem ao passado, o amálgama entre o passado e o presente também tiveram inicio nessa época. Embora não pudessem mudar eventos no passado, algumas pessoas que hoje são chamadas de historiadores temporais receberam a capacidade de visitar locais ou eventos do passado. No passado. A história, como a conhecemos, mudou. A primeira visita de um viajante do futuro catalogada ocorreu há dois anos. Já passam de milhares. Aquilo que a imaginação é capaz de projetar, simplesmente pode acontecer. Com qualquer um, a qualquer hora. Aleatoriamente. O pensamento, e mesmo o sonho, metamorfosearam-se no tecido da realidade. Não é conhecido o princípio ou o poder que controla agora o universo. Ou o que escolhe o que é possível ou não ocorrer dentro de nossa dimensão. Ou das outras. Porque agora são conhecidas pelo menos sete. Mas por algum motivo maravilhoso, o pior que havia nas mentes, não acontece. Monstros aparecem espontaneamente aqui, ora ali, mas, há algo que contém o terror. Permitindo que o lúdico se torne presente, mas não deixando que a malignidade humana corrompa ao universo. As leis físicas ainda funcionam com certa normalidade.
Talvez a resposta seja Aakanksh, a criança que tocou a inscrição.
Ninguém sabe ao certo. Porque o futuro agora...é inimaginável...
Welington Corporation
Megan
Megan
A androide que eu trouxe para casa que comprei três meses atrás na liquidação das Casas Bahia enlouqueceu. Estamos trancados dentro do armário, após as portas de segurança de fibra de carbono e do campo iônico, procurando com o celular o código para desarmar a criatura. O mundo moderno trouxe certa liberdade, certa inovação, contudo, sinto saudades dos tempos antigos. Minha filha há umas duas semanas, teve um travamento no seu sistema operacional. Há alguns anos a OMS solicitou o implante de umas memórias artificiais nas pessoas das zonas consideradas terceiro mundo, para ampliar a capacidade de aprendizado e suas aptidões cognitivas, na tentativa de capacitar para o mercado cada vez mais competitivo e tecnológico, após a virada do milênio. Aconteceu por uma decisão unilateral de empresas de tecnologia, com o advento criado por foros de tecnologia chinesa. Eu creio que há uns 30 anos todos nascem com os implantes, o chip pequeno com uns 120 terabytes e uma ligação com neurônios, rodando um sistema hibrido, que simula uma rede de neurônios artificial. Integra-se com naturalidade ao corpo, adapta-se às ondas cerebrais. Os adolescentes descobriram como usar o wireless para fazer distribuição de vídeos e a partir daí simplesmente sobrecarregar o chip até o colapso do sistema. Meu carro desligou-se há 4000 metros de altitude quando estava a caminho do hospital e o jeito foi usar a ponte de transferência. A ponte de transferência é um módulo de tele transporte experimental que desfaz a ordem atômica e a reconstrói em outro lugar, em casos de emergência a gente aperta o botão de pane do carro e voilá! África do Norte. Não perguntem por que, é sempre lá, a única usina do mundo de reconstrução, e tem sempre milhares de carros chegando, uma barulheira infernal. Dez minutos desmaiados até as funções cerebrais voltarem e pelo menos dois anos da vida pregressa apagados. Somos embarcados em aeronaves e reencaminhados para nossos destinos, após os procedimentos de seguro, administrativos e a checagem médica. Aproveitei para “destravar” - termo técnico para habilitar o sistema hibrido - Luana durante a checagem médica. Porém, como dizia antes, o que me interessa agora é o código de desarme desta minha androide enlouquecida. Ela é uma cópia de uma mulher da antiguidade, na época em que existia o cinema 3D, não tenho ideia do que seja, creio que há uns 800 anos atrás. Ela é cópia de uma antiga atriz de nome Megan Fox, creio, não lembro bem. Minha esposa ficou meio enciumada com a androide, mas como ela fazia os serviços pesados, basicamente operar os controles remotos dos equipamentos de lavagem, jardinagem, lava-roupas, lava-louças e etc, não estava criando muito caso. Até que semana passada, quando a androide entrou na sala de reparos. Um pouco antes da explosão. Dizem que músculos artificiais feitos de fibra de carbono e complexo bioquímico de teia de aranha podem levantar até cinco toneladas. Mentira. Pura mentira. A Megan, como eu apelidei a androide, levantava com facilidade até doze. Duas semanas atrás levámos ela num simpósio de latas-velhas, como chamamos aos robôs do passado. Nós a levamos até a arena com lutas de robôs e por acidente uma daquelas máquinas fora-de-época descontrolou-se e caiu sobre a plateia, geringonça com braços em formas de garra, esteira e coisas do gênero. Só não nos alcançou porque Megan os lançou de volta, cerca de 60 metros de distancia, para o meio da arena. Com um único braço. Calculei o esforço. Doze toneladas. Não sabemos o que a Megan quer, enquanto destrói nossa residência flutuante. A casa adernou uns 30 graus, porque dois dos estabilizadores foram danificados. Depois que minha filha voltou do “destravamento” Megan começou a agir de um modo estranho. Na verdade, ambas. Luana e Megan. Luana parece que esqueceu onde fica o próprio quarto. Na escola ocorreu um acidente, disseram que foi um acidente, ela estabeleceu uma mini rede com os colegas de classe e metade da classe passou mal, sendo que a Clarissa e a Antuérpia desmaiaram. Os alunos agora não querem mais compartilhar dados diretamente usando o chip, só o fazem através do servidor, eles gesticulam e carregam o cubo e a Luana necessitou ter que tocar o cubo para receber os dados das matérias que perdeu semana passada. Todas as 23000 páginas. O tocar na nossa sociedade é considerado uma coisa muito primitiva, ao menos na escola. Embora todos caminhem, façam exercícios e demais atividades, evitam socialmente, levantar ou tocar um objeto com as mãos. A não ser com o uso de um envoltório, a famosa armadura de alta tecnologia que fica mudando de padrões, ou apoio para as descidas com o uso das mochilas de vôo. As mochilas atuais possuem 200 horas de autonomia. Recarregam em minutos. Teoricamente poderiam cruzar o atlântico usando uma delas. Mas levaria dias. Dois dias para ser mais exato. Seja como for, Luana está estranha e hoje de manhã, após algo que aconteceu no laboratório de reparo, começou uma forte discussão entre ela e a Megan. E depois o inferno.
Achei. Enfim, encontrei o código, bem a tempo, porque a Megan acabou de quebrar o campo iônico do quarto, e as placas de metal se dobravam sob o peso de suas poderosas mãos.
Megan entrou por entre as portas destruídas, quando notei que um dos seus braços estava semidestruído. Megan olhou diretamente em direção a Luana. Que estremeceu. Começou a correr fortemente em nossa direção. Espero, de coração, que o código de desarme funcione.
Luana colocou a mochila-jato e fugiu. O código não funcionou. Megan lançou o telefone para longe, enquanto Luana subia numa espiral. Megan olhou para os lados, como se não me visse e procurou um pedaço de metal. Gritei para que ela não o fizesse, iria matar a Luana!
Megan, transtornada, virou-se para mim e disse:
- Ela não é a Luana!
Sim. O tiro com o pedaço da porta foi certeiro. Há trezentos metros de altura, para o meu pavor absoluto, ela acertou a menina. Caiu a trezentos metros da casa. Megan ainda correu em sua direção e chegou lá antes.
Ficou olhando para o corpo caído no chão. O terror absoluto me cercava, mas a medida que me aproximava não via o corpo de minha filha. Não era um corpo. Ou era um corpo, mas não de uma pessoa.
Alguma coisa ocorrera dias antes na transferência. Na África do Norte. Fui com a Megan até lá e após intensa busca encontramos a verdadeira Luana num hospital de uma base próxima. Um sistema de inteligência artificial pirata usara um defeito do sistema, gerara uma simbiose, um clone, e assumira o lugar de Luana. E A Megan descobrira.
Então, sinto falta dos tempos antigos. Antes do chip. Antes dessas complicações todas. Numa época em que podíamos usar nossos equipamentos antigravidade e fazer nossos próprios voos sub-orbitais, despretensiosamente.
Bons tempos. Welington Corporation
terça-feira, 10 de março de 2015
sexta-feira, 6 de março de 2015
Tesouro do Primeiro Século encontrado em Israel
Tesouro do Primeiro Século encontrado em Israel
06/08/2014
Quem chega a Israel pelo futurista aeroporto Ben Gurion e vai a Jerusalém pela moderníssima Rodovia 1, pode até esquecer, por um instante, que está pisando, quase a cada passo, em tesouros milenares. Se você estivesse por lá nesses últimos dias, e resolvesse parar à beira da estrada para, quem sabe, fotografar a charmosa vila de Abu Ghosh, a uns 10 Km antes de chegar à capital, poderia ter testemunhado a descoberta casual de mais um desses tesouros: Um vaso cerâmico contendo 114 moedas, cunhadas pelos judeus poucos meses antes da destruição de Jerusalém pelos romanos, em 70 AD!
A descoberta, que ocorreu durante obras de ampliação da Rodovia 1, foi noticiada na última terça-feira pela Autoridade de Antiguidades de Israel (IAA). As moedas, todas de bronze, são praticamente idênticas. Por estarem cobertas de azinhavre, ainda não foi possível determinar seu valor de face. Contudo, talvez cada uma representasse um quarto ou um oitavo da antiga unidade monetária de Israel, o Shekel. É possível observar que são decoradas com motivos bíblicos, o que pode indicar que foram feitas para uso no Templo de Jerusalém. De especial relevância são as palavras que estão nelas inscritas: “Pela redenção de Sião” e “Ano 4”. Essas inscrições indicam que as moedas foram cunhadas no quarto ano da revolta dos judeus contra o Império Romano, isto é, entre a primavera de 69 e a primavera de 70 AD. De fato, antes disso, nos primeiros anos do conflito, quando a esperança de vitória era bem mais acentuada, as emissões traziam legendas mais incisivas: "pela liberdade de Sião" ou "pela liberdade de Jerusalém", informa-nos Y. Meshoner. No final da guerra, porém, talvez em razão dos sucessivos reveses na guerra, essa esperança parece ter se arrefecido, como sugere o tom mais espiritualizado adotado nas moedas desse período: "pela redenção de Sião". Qualquer que seja o caso, a recente descoberta testemunha de um momento extremamente importante e crítico na história de Israel.
Em 198 AC, quando os Selêucidas tomaram o controle da Judéia, que até então estava sujeita à Dinastia Ptolomaica, tentaram suprimir a religião judaica e impor a cultura helênica sobre toda a região. Em 167 AC, os Macabeus lideraram os judeus numa revolta contra essa imposição estrangeira. Eventualmente, num gesto diplomático, Antíoco VII autorizou os judeus a cunharem suas próprias moedas (I Macabeus 15:6). Logo, porém, Antíoco trocou a diplomacia pela força , conquistou Jerusalém, acabou com o resto de autonomia que os judeus ainda tinham, cunhou moedas que traziam sua imagem e nome, e impôs o uso delas em Jerusalém.
Como forma de resistência e claro gesto de revolta, os judeus cunharam suas próprias moedas. Entendia-se, porém, que a Torah proibia a prática costumeira de colocar nas moedas a imagem do rei ou imperador: “Não farás para ti imagem de escultura” (Êxodo 20:4). Assim, as moedas judaicas não traziam nenhuma efígie. As primeiras (111-110 AC) foram feitas pelo Sumo Sacerdote João Hircano, filho de Simão Macabeu, e tinham, de um lado, a inscrição: “João, sumo sacerdote e chefe da comunidade dos Judeus". Do outro, cornucópias e flores, símbolos de fertilidade e prosperidade. Diversas outras moedas semelhantes foram cunhadas nos anos seguintes pelos sucessores de João Hircano.
Bem mais tarde, quando Herodes o Grande foi empossado pelos romanos como Rei da Judeia, ele também cunhou moedas. Embora fosse um vassalo do imperador romano e um dedicado promotor da cultura helênica, Herodes buscava também não ferir a sensibilidade religiosa judaica. Suas moedas só traziam símbolos que não ofendiam a população. Para ganhar a simpatia dos judeus, Herodes chegou a reconstruir, com luxo e esplendor, o Templo de Jerusalém. A crueldade que lhe era peculiar, contudo, neutralizava todos seus gestos de boa vontade.
Os filhos de Herodes, Arquelau (Governador da Judeia) e Antipas (Tetrarca da Galileia e Pereia), seguiram a atitude do pai, tanto no cuidado para não ferir crenças judaicas ao cunhar moedas, quanto na crueldade e despotismo. O último filho de Herodes, Felipe, Tetrarca de Traconites, talvez por governar uma região com população majoritariamente não judaica, foi o único a cunhar moedas com a efígie do Imperador Romano.
Agripa, neto de Herodes, unificou novamente os territórios, com o apoio do Imperador Calígula, o que lhe permitiu cunhar moedas nas quais apresenta-se como “Grande Rei, Amigo de César”. Ele foi o primeiro a imprimir sua própria imagem nas moedas e, em termos de despotismo e crueldade, apenas seguiu a prática comum de seus antecessores.
Contra essas práticas que violentavam o orgulho nacional, desrespeitavam sua religião e extorquiam suas riquezas, os judeus repetidamente se insurgiram. A rejeição, principalmente no Templo de Jerusalém, das moedas com a figura do Imperador Romano e a cunhagem não autorizada de moedas judaicas foram algumas das mais belicosas manifestações dessa revolta.
Perto dali, escondido no canto de uma sala, uma família mantinha um pequeno vaso de barro contendo 114 moedas.
Pablo Betzer, arqueólogo que liderou a equipe de resgate dos achados, em entrevista concedida ao jornal The Times of Israel, lembra que “essas moedas foram cunhadas poucos meses antes da destruição do Templo”. E especula: “Foi um dos últimos esforços dos rebeldes para prevalecer... A pessoa que guardava essa valiosa coleção recebeu-a toda em um só lote. Ele as recebeu do líder dos rebeldes; talvez ele tenha sido membro da liderança rebelde.” Talvez, ainda, segundo Beltzer, fosse um fundo destinado à compra de armas ou provisões para os que combatiam as legiões romanas.
Segundo Flavio Josefo, historiador judeu do Primeiro Século, a guerra contra Roma foi deflagrada pela decisão dos sacerdotes de não mais receber no Templo as ofertas de estrangeiros. Na prática, isso significava rejeitar as ofertas do Imperador. A insurreição avolumou-se. Tropas romanas foram enviadas a Jerusalém para conte-la. Combates armados eclodiram em vários pontos. Com a morte de Nero, o General Vespasiano, que comandava o cerco a Jerusalém, voltou a Roma para assumir o trono imperial, em 69 AD, deixando a seu filho e futuro imperador Tito a responsabilidade de comandar o ataque à cidade. Em 70 AD, a revolta foi esmagada, os muros de Jerusalém foram derrubados, o Templo incendiado, para nunca mais ser reconstruído, seus habitantes executados e a cidade deixada em ruínas.
O ataque romano não poupou nem mesmo as vilas nas imediações de Jerusalém. Quando o povoado próximo de Abu Ghosh foi destruído, os escombros soterraram o vaso com 114 moedas que, hoje, dois milênios depois, voltaram à luz do dia para recontar essa história.
Texto: Jorge Fabbro
Referências Bibliográficas
HAMBURGER, H. "Money, Coins". The Interpreter's Dictionary of the Bible, vol. 3, 1962, 423-435.
MESHORER, Y. "Hoard of coins from the time of the Jewish War against Rome".
Em: Michmanin (Bulletin of the Reuben and Edith Hecht Museum, University of Haifa), vol.
2. 1985, 43-45.
MESHORER, Y. A treasury of Jewish Coins. Jerusalém: Yad Ben-Zvi Press, 2001.
PRÉAUX, C., Le Monde hellénistique. La Gréce et l'Orient (323-146 av. J.-C.) I-II, Paris,
Presses Universitaires de France, 1987/1988.
PORTO, V. C. Imagens Monetárias na Judéia/Palestina sob Dominação Romana. Tese de Doutorado, Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, 2007.
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