sexta-feira, 6 de março de 2015

Tesouro do Primeiro Século encontrado em Israel

Tesouro do Primeiro Século encontrado em Israel
06/08/2014


Quem chega a Israel pelo futurista aeroporto Ben Gurion e vai a Jerusalém pela moderníssima Rodovia 1, pode até esquecer, por um instante, que está pisando, quase a cada passo, em tesouros milenares. Se você estivesse por lá nesses últimos dias, e resolvesse parar à beira da estrada para, quem sabe, fotografar a charmosa vila de Abu Ghosh, a uns 10 Km antes de chegar à capital, poderia ter testemunhado a descoberta casual de mais um desses tesouros: Um vaso cerâmico contendo 114 moedas, cunhadas pelos judeus poucos meses antes da destruição de Jerusalém pelos romanos, em 70 AD!

A descoberta, que ocorreu durante obras de ampliação da Rodovia 1, foi noticiada na última terça-feira pela Autoridade de Antiguidades de Israel (IAA). As moedas, todas de bronze, são praticamente idênticas. Por estarem cobertas de azinhavre, ainda não foi possível determinar seu valor de face. Contudo, talvez cada uma representasse um quarto ou um oitavo da antiga unidade monetária de Israel, o Shekel. É possível observar que são decoradas com motivos bíblicos, o que pode indicar que foram feitas para uso no Templo de Jerusalém. De especial relevância são as palavras que estão nelas inscritas: “Pela redenção de Sião” e “Ano 4”. Essas inscrições indicam que as moedas foram cunhadas no quarto ano da revolta dos judeus contra o Império Romano, isto é, entre a primavera de 69 e a primavera de 70 AD. De fato, antes disso, nos primeiros anos do conflito, quando a esperança de vitória era bem mais acentuada, as emissões traziam legendas mais incisivas: "pela liberdade de Sião" ou "pela liberdade de Jerusalém", informa-nos Y. Meshoner. No final da guerra, porém, talvez em razão dos sucessivos reveses na guerra, essa esperança parece ter se arrefecido, como sugere o tom mais espiritualizado adotado nas moedas desse período: "pela redenção de Sião". Qualquer que seja o caso, a recente descoberta testemunha de um momento extremamente importante e crítico na história de Israel.


Em 198 AC, quando os Selêucidas tomaram o controle da Judéia, que até então estava sujeita à Dinastia Ptolomaica, tentaram suprimir a religião judaica e impor a cultura helênica sobre toda a região. Em 167 AC, os Macabeus lideraram os judeus numa revolta contra essa imposição estrangeira. Eventualmente, num gesto diplomático, Antíoco VII autorizou os judeus a cunharem suas próprias moedas (I Macabeus 15:6). Logo, porém, Antíoco trocou a diplomacia pela força , conquistou Jerusalém, acabou com o resto de autonomia que os judeus ainda tinham, cunhou moedas que traziam sua imagem e nome, e impôs o uso delas em Jerusalém.

Como forma de resistência e claro gesto de revolta, os judeus cunharam suas próprias moedas. Entendia-se, porém, que a Torah proibia a prática costumeira de colocar nas moedas a imagem do rei ou imperador: “Não farás para ti imagem de escultura” (Êxodo 20:4). Assim, as moedas judaicas não traziam nenhuma efígie. As primeiras (111-110 AC) foram feitas pelo Sumo Sacerdote João Hircano, filho de Simão Macabeu, e tinham, de um lado, a inscrição: “João, sumo sacerdote e chefe da comunidade dos Judeus". Do outro, cornucópias e flores, símbolos de fertilidade e prosperidade. Diversas outras moedas semelhantes foram cunhadas nos anos seguintes pelos sucessores de João Hircano.

Bem mais tarde, quando Herodes o Grande foi empossado pelos romanos como Rei da Judeia, ele também cunhou moedas. Embora fosse um vassalo do imperador romano e um dedicado promotor da cultura helênica, Herodes buscava também não ferir a sensibilidade religiosa judaica. Suas moedas só traziam símbolos que não ofendiam a população. Para ganhar a simpatia dos judeus, Herodes chegou a reconstruir, com luxo e esplendor, o Templo de Jerusalém. A crueldade que lhe era peculiar, contudo, neutralizava todos seus gestos de boa vontade.

Os filhos de Herodes, Arquelau (Governador da Judeia) e Antipas (Tetrarca da Galileia e Pereia), seguiram a atitude do pai, tanto no cuidado para não ferir crenças judaicas ao cunhar moedas, quanto na crueldade e despotismo. O último filho de Herodes,  Felipe, Tetrarca de Traconites, talvez por governar uma região com população majoritariamente não judaica, foi o único a cunhar moedas com a efígie do Imperador Romano.

Agripa, neto de Herodes, unificou novamente os territórios, com o apoio do Imperador Calígula, o que lhe permitiu cunhar moedas nas quais apresenta-se como “Grande Rei, Amigo de César”. Ele foi o primeiro a imprimir sua própria imagem nas moedas e, em termos de despotismo e crueldade, apenas seguiu a prática comum de seus antecessores.

Contra essas práticas que violentavam o orgulho nacional, desrespeitavam sua religião e extorquiam suas riquezas, os judeus repetidamente se insurgiram.  A rejeição, principalmente no Templo de Jerusalém, das moedas com a figura do Imperador Romano e a cunhagem não autorizada de moedas judaicas foram algumas das mais belicosas manifestações dessa revolta.

Perto dali, escondido no canto de uma sala, uma família mantinha um pequeno vaso de barro contendo 114 moedas.

Pablo Betzer, arqueólogo que liderou a equipe de resgate dos achados, em entrevista concedida ao jornal The Times of Israel, lembra que “essas moedas foram cunhadas poucos meses antes da destruição do Templo”. E especula: “Foi um dos últimos esforços dos rebeldes para prevalecer...  A pessoa que guardava essa valiosa coleção recebeu-a toda em um só lote. Ele as recebeu do líder dos rebeldes; talvez ele tenha sido membro da liderança rebelde.” Talvez, ainda, segundo Beltzer, fosse um fundo destinado à compra de armas ou provisões para os que combatiam as legiões romanas.

Segundo Flavio Josefo, historiador judeu do Primeiro Século, a guerra contra Roma foi deflagrada pela decisão dos sacerdotes de não mais receber no Templo as ofertas de estrangeiros. Na prática, isso significava rejeitar as ofertas do Imperador. A insurreição avolumou-se. Tropas romanas foram enviadas a Jerusalém para conte-la. Combates armados eclodiram em vários pontos. Com a morte de Nero, o General Vespasiano, que comandava o cerco a Jerusalém, voltou a Roma para assumir o trono imperial, em 69 AD, deixando a seu filho e futuro imperador Tito a responsabilidade de comandar o ataque à cidade. Em 70 AD, a revolta foi esmagada, os muros de Jerusalém foram derrubados, o Templo incendiado, para nunca mais ser reconstruído, seus habitantes executados e a cidade deixada em ruínas.

O ataque romano não poupou nem mesmo as vilas nas imediações de Jerusalém. Quando o povoado próximo de Abu Ghosh foi destruído, os escombros soterraram o vaso com 114 moedas que, hoje, dois milênios depois, voltaram à luz do dia para recontar essa história.
Texto: Jorge Fabbro

Referências Bibliográficas

HAMBURGER, H. "Money, Coins". The Interpreter's Dictionary of the Bible, vol. 3, 1962, 423-435.

MESHORER, Y. "Hoard of coins from the time of the Jewish War against Rome".
Em: Michmanin (Bulletin of the Reuben and Edith Hecht Museum, University of Haifa), vol.
2. 1985, 43-45.

MESHORER, Y. A treasury of Jewish Coins. Jerusalém: Yad Ben-Zvi Press, 2001.

PRÉAUX, C., Le Monde hellénistique. La Gréce et l'Orient (323-146 av. J.-C.) I-II, Paris,
Presses Universitaires de France, 1987/1988.

PORTO, V. C. Imagens Monetárias na Judéia/Palestina sob Dominação Romana. Tese de Doutorado, Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, 2007.

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