quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Meu pai, meu pai

Meu pai. Meu pai.

Jun/2001 

Nessa semana eu fui assustado pela dor de uma jovem que gritava as palavras
acima, de um modo o qual jamais ouvi em toda minha vida.
Eu desci para ver o que acontecia, podia ser que alguém tivesse caido, se
acidentado.
Próximo a uma coluna da garagem um rapaz segurava uma  moça desesperada
O som de sua voz ecoou pelos prédios vizinhos, pelas janelas,
e principalmente por dentro de mim.
Eu não sabia o que tinha acontecido, eu não a conheço,
e ela ainda gritava - meu pai - quando eu me aproximava.
Antes que eu chegasse ao local,  a jovem e o rapaz que a consolava
deixaram a garagem e subiram para o seu prédio.
A coluna onde ela chorou deveria ser chamada coluna do pranto.
Entendi que um pai morrera naquela noite.
Que aquele era o choro pela perda de um pai.
Na noite posterior o porteiro me anunciou
que o diretor do hospital Rocha Faria, Mário Arcoverde Sobrinho
Fora assassinado por tentar impedir compra de remédios superfaturados.
Esse homem era o pai, pela qual a jovem chorava
E que morrera naquela noite.
Naquela triste noite.

Eu creio que existe um tipo de Evangelho
E um tipo de pregação
Que é maior que as nossas contradições teológicas.
E que somente este tipo de evangelho,
Do mesmo tipo que explodia de dentro da boca do próprio Cristo
Que ardia no interior da alma dos profetas
Que ainda incomoda e acorda os anjos
Que ainda desestrutura a própria dor

Eu creio que esse evangelho puro e não destilado
Que disse para o impossível que ele não é forte o bastante
Que diz para a morte que ela não é ninguém,
é o único capaz de colocar o dedo transversalmente sobre os lábios
de uma filha que grita

Meu pai, meu pai.

E eu creio que somente este
E outro nenhum dos feitos de palha, barro, filosofia ou boa intenção
É o verdadeiro evangelho.

E um dia.
Esse evangelho
Que explodia na boca do Senhor
Será pregado na terra.
para que nunca mais
hajam colunas banhadas de pranto
e noites banhadas de dor
de filhas gritando.
meu pai,
meu pai.

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