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Contou-me um fazendeiro da região de Dourados, Mato Grosso do Sul. Índios bêbados encontraram duas prostitutas num bar e acabaram por estuprá-las. Na delegacia, o delegado perguntou a uma delas, ou ao que dela restava: - Quantos foram? O delegado, sem poder prender uma tribo toda, tratou de conseguir um ônibus e mandar os índios de volta à reserva. O relato parece retirado de uma página de García Márquez, aquele compadre de Fidel Castro. Mas meu interlocutor não era chegado à literatura fantástica. Lembrei do episódio, ao ler uma série de reportagens em edições da Zero Hora desta semana. Se tais fatos são concebíveis em regiões isoladas do país, habitadas por selvagens, mais difícil é imaginar tais estupros no Rio Grande do Sul. E, no entanto, lá está o relato de Carlos Wagner, sobre esta prática ritual dos caingangues, o puxirão. A iniciação da prostituta indígena freqüentemente ocorre por meio de um ritual chamado pelos caingangues de "puxirão das macegas". A expressão, equivalente a mutirão, denomina a formação de um grupo de jovens embriagados para estuprar a jovem. (...) O grupo se reúne e escolhe uma menina para atacar, geralmente filha de um desafeto do cacique. Enquanto a família da escolhida é mantida sob vigilância armada, a jovem é estuprada em meio a arbustos. Nas semanas seguintes, de duas em duas noites, uma fila de meninos se formará na porta da casa da garota. Um a um, eles a estupram. Muitas vão para o hospital. No início de julho, uma garota de doze anos foi medicada devido aos ferimentos nos órgãos sexuais. Uma estranha aliança traçará o destino da menina violentada. O medo da família de denunciar o estupro e a dependência econômica e política em relação aos líderes se unem, e o episódio é esquecido. Resta à garota a prostituição como forma de vida, porque nenhum homem da tribo irá casar-se com ela. (...) Um líder indígena de Cacique Doble costuma justificar o ritual: - Antes de as nossas mulheres serem dos brancos, elas precisam ser nossas. Estupro brutal, coletivo, continuado. Com agenda e data certa: duas vezes por semana os brutos voltam a massacrar a menina. Onde andarão as aguerridas feministas, tão preocupadas com assédio sexual? E os defensores dos direitos humanos? E o sedizente governo "popular e democrático do Rio Grande do Sul"? Que é feito do valente secretário de Justiça, o ex-juiz Paulo Bisol? Pelo jeito, continuam silentes, desde que o cacique Paulinho Paiakan - o homem que pode salvar a humanidade, segundo a imprensa americana - estuprou barbaramente uma professora, com o auxílio de sua mulher, Irekran. Julgado e absolvido, julgado novamente e desta vez condenado, o cacique caiapó continua livre como um passarinho em sua reserva. São índios, podem estuprar à vontade, com data e hora marcada. Se no Rio Grande do Sul as meninas caingangues são constrangidas à prostituição para sobreviver, em Cuba o caso é um pouco diferente. Prostituição não é questão privada, mas de Estado. Não há turista que desconheça as virtudes das jineteras, esta versão caribenha do antigo ofício. Em um discurso para a Assembléia Nacional, em 1992, Castro dizia: "Não existe mulher forçada a vender-se para um homem, para um estrangeiro, para um turista. Aquelas que o fazem, fazem-no de própria vontade, voluntariamente e sem necessidade disso. Podemos dizer que elas são jineteras altamente educadas e muito saudáveis, pois somos um país com o mais baixo número de casos de AIDS... Em verdade, não há turismo mais saudável que o de Cuba". De lá para cá, estrangeiros do mundo todo acorreram com seus dólares para prestigiar o turismo saudável apregoado pelo Comandante Máximo. E por que jineteras? Quem nos explica é a jornalista Silvana Paternostro, do New Republic. Prostituta denota vitimização. Call girl sugere alta sociedade. Jineteras soa melhor. "Enfermeiras, dentistas, nutricionistas, advogadas, professoras, universitárias, elas circulam pela cidade vestidas com Lycra amarela, púrpura ou preta, esperando encontrar estrangeiros. Economicamente, suas duplas vidas fazem sentido. Professoras e funcionárias da saúde, o orgulho da revolução, recebem salários muito miseráveis para colocar carne na mesa de jantar. Por outro lado, entretendo um estrangeiro, compram carne de porco e frango, e mesmo lagosta e vinho - isso sem falar em roupas, sapatos, perfumes, moeda forte e a possibilidade de namoro, casamento e uma vida na Itália ou Espanha". Sem falar que o novo eufemismo dá a idéia de alguém que doma um animal. Um estudo feito pela Universidade de Havana concluiu ser impossível determinar o número de prostitutas no país. Jinetear tornou-se algo tão banal como ir à praia ou ao cinema. As facilidades que a prostituição traz parecem estar produzindo efeitos sociais e ideológicos sobre os quais o governo perdeu o controle. Ainda segundo a repórter, as Brigadas Especiais da Polícia Revolucionária Nacional, acusando as moças de agredir al extranjero, passaram a proibir suas atividades. Não por razões éticas. O Estado quer as jineteras colhendo dólares para a revolução e não para si mesmas e seus gastos frívolos. Más novas para os turistas em busca de sexo barato. As antigas "promotoras de turismo" voltaram a ser prostitutas e como tal reprimidas. No início do século, Lênin definiu o anarquismo como a doença infantil do comunismo. O final do século encontrou sua doença senil, o proxenetismo. Estupros coletivos aqui, Estado proxeneta lá. Algo em comum têm os dois fenômenos: humanista algum de plantão ousará condenar estas práticas dos caciques caingangues ou do cacique cubano. Estão acima de qualquer lei. Janer Cristaldo |
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Sobre Caingangues e Jineteras
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