quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Anti-semitismo revisitado.


Ariano é um termo cunhado sobre um povo desconhecido, que falava uma língua desconhecida, que viveu num país desconhecido, somente citado em sânscrito, escrito em Védico, conforme a religião de Zoroastro. O arianismo é baseado numa lenda sobre a superioridade, originalmente não argüida, de uma rara raça que jamais existiu... 6 MILHÕES DE PESSOAS MORRERAM como conseqüencia dos desdobramentos dessa anedota mentirosa. Dessa piada mortal.
Piada Mortal é uma Graphic Novell, uma história do Coringa, onde ele usa toda sua torpeza e oucura com intuito de ser assassinado pelo Batman. No final da revista, após uma sucessão de atos de demência do vilão, ele conta uma piada para o batman que decide a questão sobre sua possível recuperação.



A propósito do anti-semitismo
O termo "anti-semitismo", com suas conotações biológicas e raciais, foi usado pela primeira vez em 1879, por Wilhem Marr, fundador da famosa Liga Anti-Semita.
A expressão "anti-semitismo" tornou-se logo de uso corrente, encontrando um campo amplo para seu emprego. Amparando-se no culto da ciência, que se tornou muito popular a partir dos últimos vinte anos do século XIX, todos os postulados "científicos" do termo foram avidamente aceitos por determinados segmentos da ideologia nacionalista-patriótica.
Marr embasava o termo "anti-semitismo" com uma identidade racial, asseverando que o caráter "inato" dos judeus ou semitas – considerados descendentes de Sem, um dos três filhos de Noé mencionados no livro do Gênesis – era absolutamente oposto ao caráter "nobre e puro" dos arianos (Marr, ao dizer "arianos", tinha em mente os teutões e nórdicos, tais como alemães, austríacos, escandinavos, holandeses, ingleses, franceses etc.). Ele considerava, magnanimamente, que os judeus não podiam deixar de ser o que eram: homens "inferiores moral e fisicamente", porque a natureza os havia predeterminado a serem assim.
Essa mistura de contra-sensos pseudocientíficos era ministrada pelos raivosos racistas aos ignorantes e apáticos e só divertia ou irritava os eminentes homens de ciência daquela época.
De certa forma, o arianismo começou assim: no ano de 1808, o célebre estudioso do sânscrito Friedrich von Schlegel (católico casado com a filha de Moisés Mendelssohn, Dorothea) observou, no decurso de suas pesquisas filológicas, certa proximidade entre o persa e o sânscrito, de um lado, e as línguas teutônicas (alemão, sueco, holandês etc.), de outro. A partir dessas observações inteiramente acidentais e de outras realizadas por vários filólogos, ele elaborou uma hipótese para a origem dessas línguas "aparentadas": elas viriam de uma língua ancestral comum, o "ariano", supostamente falado por um povo chamado "ariano", que habitava a terra de "Ariana".
Nem é preciso dizer que o "ariano" era uma língua perdida e esquecida; os próprios "arianos" haviam desaparecido no bojo da história e a terra de "Ariana" era mencionada superficialmente no Zend Avesta, livro das escrituras semíticas do zoroastrismo persa, escrito por volta do ano de 1000 a.C. Não há, entretanto, qualquer indicação de onde estaria situada.
Foi nesses hipotéticos arianos, habitantes de um país hipotético chamado Ariana, que falavam uma língua hipotética, o ariano, que os anti-semitas do século XIX, entre os quais estavam professores, jornalistas e demagogos alemães, foram buscar as fontes de sua nobreza ancestral e de seu orgulho de fazer parte de uma "raça superior" da Humanidade. Não resta dúvida de que o sentimento nacional, que se seguiu ao triunfo espetacular dos alemães sobre os franceses na guerra franco-prussiana de 1870, estimulou enormemente o desenvolvimento do princípio "científico" anti-semita do arianismo, fazendo-o parecer convincente. Ao mesmo tempo, buscando inspiração na mesma fonte literária – o Zend Avesta – os anti-semitas do século XIX fizeram uma analogia entre o princípio zoroastriano da dualidade e da oposição mortal entre a deidade da luz (Ormuz) e a deidade das trevas (Arimã) e a oposição, igualmente mortal, que se supunha existir entre a raça ariana (a "raça superior" alemã) e a raça semítica (a "raça escrava" judia). A conclusão a que chegaram foi: assim como o deus persa da luz estava empenhado em eterna batalha com o deus das trevas, até que este último fosse derrotado – a raça ariana deveria encetar um combate mortal contra o judaísmo, até destruí-lo.
Quanto à "pureza racial", reivindicada pelos apologistas "arianos" em favor do povo alemão, o eminente antropólogo francês Pittard fez a seguinte observação: "Há tanta diferença entre um pomerano da costa do Báltico e um bávaro do maciço do Amer, quanto a que existe entre um cavalo e uma zebra." (Polskraiser: apud Clemesha, 1998, 68).
Nos anos intermediários entre a guerra franco-prussiana e a unificação de todos os estados alemães, em 1871, e a tomada do poder por Adolf Hitler, em 1932, havia na Alemanha um número relativamente grande de judeus, que prosperavam. Sob a orientação oportunística do príncipe Bismarck, que compreendia a reação e o liberalismo a um só tempo, os judeus conseguiram a emancipação civil total e, portanto, oportunidades iguais sob o ponto de vista jurídico em qualquer ramo de atividade. Não há dúvidas que, durante as três décadas finais do século XIX, a grande expansão comercial e industrial da Alemanha deu a muitos judeus uma oportunidade sem par. Muitos enriqueceram e se integraram aos pilares da sociedade, exercendo atividades tais como as de fabricante, negociante, banqueiro, médico, engenheiro, advogado, além de práticas culturais, como a música e a literatura.
Não será necessário insistir que o elemento de ressentimento permeou o pensamento de muitos anti-semitas com relação a seus compatriotas alemães de origem judaica. Desde que os Cavaleiros da Cruz, ao final do século XI, haviam-se expressado aos gritos de "Hab hab!" ("Dê, dê!"), os inimigos dos judeus em todos os países da Europa, nos séculos que se seguiram, passaram a encobrir sua cobiça pelo dinheiro e pelas posses dos judeus com a unção de um sentimento piedoso. Essa combinação de sentimentos foi, sem dúvida, a centelha que provocou a petição popular assinada por 300.000 cidadãos prussianos, em 1880 – a que se seguiram dois dias de violentos debates no Parlamento – requerendo do Marechal de Ferro (Bismarck) que excluísse os judeus de todas as escolas e universidades e que lhes proibisse ocupar qualquer cargo público. "A mistura do elemento semítico ao elemento germânico de nossa população demonstrou ser um fracasso. Temos que enfrentar agora a perda de nossa superioridade pela ascendência do judaísmo, cuja influência sempre crescente provém de características raciais que a nação alemã não pode e não deve tolerar, a não ser que deseje destruir a si mesma".
Quão diferente era o tratamento que dera Robespierre, durante a Revolução Francesa, aos propalados defeitos "judaicos" (como se outros povos também não tivessem as mesmas deficiências!). Falando aos delegados da Assembléia Nacional para solicitar que incluíssem os judeus nas provisões humanísticas dos Direitos do Homem, disse ele: "Os defeitos dos judeus provêm do rebaixamento a que vós (cristãos) os haveis submetido. Se elevarmos sua condição, rapidamente farão jus a ela." (Nyiszli: 1980, 189).
Segundo um dito antigo, "os judeus eram amaldiçoados por fazer e eram amaldiçoados por não fazer". O reverendo Dr. Stöcker, pregador de Potsdam (capital do estado de Brandenburg, junto a Berlim), favorito do Kaiser (o imperador alemão), declarou: "Os judeus são, simultaneamente, os pioneiros do capitalismo e do socialismo revolucionário, trabalhando assim pelos dois lados para destruir a atual ordem social e política." (Sartre: 1954, 76).
Os anti-semitas alemães, evidenciando sempre forte inclinação nacional para a metafísica, para a obtenção de conclusões "científicas" e para a elaboração de formulações precisas a partir delas, desenvolveram seu ódio aos judeus obedecendo a um sistema científico irrefutável – assim pensavam eles. Observa-se, freqüentemente, que sociedades ou grupos de homens, quando querem fazer parecer aos outros que suas ações são mais corretas e justificadas do que na realidade, tratam de adorná-las com racionalizações altissonantes de natureza intelectual, moral e legal, para assim disfarçar-lhes a má índole. Como observou, porém, o célebre jornalista e filósofo satírico judeu Max Nordau, (1849-1923), ao comentar acerbamente as proezas "intelectuais" dos anti-semitas: "Os pretextos variam, mas o ódio continua." (Clemesha 1998, 145)
O ódio dos anti-semitas na Alemanha e na Áustria perdurou, mas, a partir dos meados do século XIX, surgiu um pretexto novo, desta vez fornecido por intelectuais e professores – etnólogos, biólogos, psicólogos e historiadores – visando a supressão total e mesmo o extermínio físico dos judeus. Essa inovação foi liderada por dois homens: Conde Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882) e Houston Stewart Chamberlain (1885-1927).
Gobineau, diplomata e orientalista francês, que publicou um "Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas", em quatro volumes (Paris, 1853-1855), tomou como base de sua tese a visão dos judeus (semitas) como "uma raça mista" e que "tudo de grandioso, nobre e frutificador nas obras do homem [...] pertence a uma família (a ariana), cujos diferentes ramos reinam em todos os países civilizados do globo" (Gobineau apud Clemesha 1998, 93).
O outro mentor intelectual dos anti-semitas alemães, Chamberlain, era genro do compositor Richard Wagner que, por sua vez, havia atacado impiedosamente os judeus no seu ensaio nada musical "O Judaísmo na Música". Chamberlain foi autor da obra mais agressiva, talvez, já publicada a respeito de judeus, fazendo-a editar sob o título acadêmico e totalmente enganador "Os Fundamentos do Século XIX" (1899). A obra mereceu a aprovação entusiástica do Kaiser Guilherme II e dela foram vendidos quase um milhão de exemplares somente em língua alemã. Uma amostra típica do que o livro contém é a seguinte reflexão: "...a raça judaica está completamente abastardada, e sua existência é um crime contra as sagradas leis da vida..." (Chamberlain apud Correa Neto: 1980, 79).
Da "filosofia de desinfecção" às câmaras de gás nazistas, onde foram asfixiados seis milhões de judeus em 1940-45, a distância foi de poucos passos e de apenas sessenta anos.
Por falar em "sagradas leis da vida", outro inimigo do povo judeu, igualmente influente e devoto, o reverendo Dr. Adolf Stöcker, pregador da corte de Guilherme I e líder do bloco anti-semita do Reichstag (Parlamento), também entrou na arena como defensor da "santidade". Mas a santidade pela qual lutava era a chamada pureza do sangue alemão. Dizia ele: "...o judaísmo moderno é uma gota de sangue estrangeiro no corpo alemão – e tem poder destrutivo" (Nyiszli: 1980, 49). Foi Stöcker, fundador do Partido Socialista Cristão, em 1878, quem cunhou, naquela ocasião, a legenda que se tornou o grito de guerra dos nazistas contra os judeus, meio século depois: "Deutschland – erwache!" (Alemanha – desperta!). Os socialistas cristãos também adotaram em seu programa político uma plataforma central que exigia uma Alemanha que fosse "judenrein" (purificada de judeus).
Curiosamente, nessa preocupação com a pureza racial do povo alemão, Chamberlain e Stöcker, como também os outros líderes intelectuais do movimento anti-semita alemão, cada vez mais florescente – Wilhelm Marr, Hermann Ahlwardt, Heinrich von Treitschke, Conde Walter Puckler-Muskau e o filósofo Eugen Dühring – tinham idéias "científicas" análogas à limpeza, à pureza do sangue, que era a obsessão dos racistas espanhóis durante o século XIV.
O problema judaico não era mais da alçada da religião cristã. Os anti-semitas intelectuais, tais como os arruaceiros das cervejarias, opunham-se violentamente à conversão dos judeus ao cristianismo, devido à "mácula" que o "sangue judaico" traria à corrente puríssima de sangue germânico, através dos casamentos mistos.
Do alto de sua elevada eminência, o filósofo Dühring dava ao povo alemão o seguinte conselho genocida, quanto ao trato com os judeus: "não deveriam ficar inibidos por qualquer escrúpulo, e sim usar os mais modernos métodos de desinfecção" (Dühring apud Sartre 1954, 104). Dessa "filosofia de desinfecção" às câmaras de gás nazistas, onde foram asfixiados seis milhões de judeus em 1940-45, a distância foi de poucos passos e de apenas sessenta anos. (extraído de http://www.morasha.com/ - http://www.beth-shalom.com.br/)

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